quinta-feira, setembro 06, 2007

Visto do Céu - Alice Sebold


“O meu apelido era Salmon e o nome próprio Susie. Tinha catorze anos quando fui assassinada, no dia 6 de Dezembro de 1973. (...) Isso foi antes de começarem a aparecer caras de todas as raças e géneros em pacotes de leite ou em folhas metidas praticamente todos os dias nas caixas do correio. Quando as pessoas ainda pensavam que coisas dessas não aconteciam.”

A narradora, Susie Salmon, uma adolescente de 14 anos, tão forte, curiosa, esforçada, inteligente e corajosa como o peixe que lhe dá o nome, já está morta quando começa a narrativa. É "às portas do céu" que ela decide relatar-nos o acto brutal que a levou até ali. No dia 6 de Dezembro de 1993 quando Susie voltava a casa, vinda do liceu, e atravessava o milheiral "para atalhar caminho", Harvey, o incaracterístico vizinho da casa ao lado, atrai-a para uma ratoeira, viola-a e mata-a. A sua última imposição antes de usar a navalha no corpo de Susie é ordenar-lhe que ela diga que o ama. É uma espécie de "iniciação", de "passagem" que, neste caso, ganha uma conotação arrepiante. A primeira vez que Susie diz a um homem que o ama e a primeira vez que conhece o sexo é, também, a última. Depois, calmamente, Harvey, o cidadão discreto que constrói casas de bonecas como profissão, desmembra-a e espalha os restos do corpo. Um pormenor macabro: apenas um cotovelo é encontrado por um cão. Quando Susie chega ao céu compreende que esse "lugar" é uma projecção dos seus desejos e dos seus sonhos - as casas são pintadas das cores que ela mais gosta, há muitos cães, os livros de estudo são revistas de moda como a "Vogue" e a "Seventeen", etc. O único pormenor desagradável é que Susie deseja ardentemente o que não chegou a aprender e a experimentar, na Terra. (Se tivesse sobrevivido teria agora 44 anos.) Por outras palavras, ao ser impedida de crescer, as suas fantasias continuarão a ser "ad eternum" as de uma garota e não as de uma pessoa com uma evolução natural. Mas Susie não quer permanecer naquele limbo e começa a observar a vida lá em baixo, ao mesmo tempo que se aplica a modificar, sempre que possível, o destino das pessoas que ama. Dá-se conta do clima opressivo que se instala na sua própria casa e observa como as relações entre os membros da sua família vão sofrendo uma erosão constante e destruidora. Impotente - ou quase - Susie observa como crescem o irmão, Buckley, a irmã, Lindsey, o namorado, Ray Singh. Vê os esforços do melancólico detective Fennerman para resolver o crime, a mágoa de todas as pessoas que estiveram ligadas a ela e a impunidade do seu assassino. Presencia o desespero surdo da sua bela mãe e o afastamento do casal - é a mãe que abandona o lar e vagabundeia pela América, enquanto o pai, que sente com absoluta certeza que Harvey é o assassino, fica em casa a tomar conta dos filhos e a chorar, de uma forma mais convencional, a perda de Susie.